Sobre uma experiência temporal precisa

no Salão Nobre da Sociedade Martins Sarmento: [Embankment #4]


O espaço expositivo foi confundido com o local de trabalho. No Salão Nobre da Sociedade Martins Sarmento (S.M.S.), convertido em atelier provisório, operou-se precisos desdobramentos que permitiram uma expansão que ansiou extrapolar o próprio local. A partir da pré-disposição impositivamente cerimoniosa do Salão, [Embankment#4] reordena motivos, interpolando conteúdos chegados do espólio em reserva da S.M.S., manipulando especificidades do espaço físico, reproduzindo a geometria das suas distâncias e do seu rácio, pela multiplicação da memória residual que preenche os entre-espaços.


[Figura #1] Planta do Salão Nobre, ou Sala de Recepções Solenes, da Sociedade Martins Sarmento sinalizada com a intervenção [Embankment #4]. 


Legenda:


1. O Conselho [roda de cadeiras]

O Conselho foi instituído. O Conselho localiza-se numa coordenada específica: descentrado da passadeira vermelha e ligeiramente desalinhado do centro da planta. O mobiliário do Conselho é constituído por uma roda de cadeiras. A referência ornamental do Conselho é o candeeiro dourado circunferencial com cristais de uma vasta paleta cromática. O alinhamento do Conselho faz-se com a intersecção do plano vertical do candeeiro. A realização do processo de sensibilização fotográfica permitiu que os lugares fossem todos ocupados. O Conselho foi convocado.


2. A Estante [entre-espaço]



3. A Cortina e a Cadeira



4. A Cortina e o Espelho



5. A Vitrine


A Vitrine é o resíduo-composto da reunião circunferencial do Conselho. Tal como o Espelho, encontrava-se inutilizada no sótão. Na Vitrine foi deposto: parte do espólio escolhido, o arquivo criado para as prospecções, assim como a fotografia, o documento referente ao ectoplasma e a tentativa falhada de holograma. A fotografia é um dos ensaios de Francisco Martins Sarmento em depósito na Sociedade fundada em sua homenagem.  Esta assemelha-se aos clichés fraudulentos do americano de Boston, William Mumler (1861), os quais revelavam o potencial fantasmático dos mortos: Mumler viria a ser acusado de artifício por entretanto se terem desvendado os segredos do ilusionismo fotográfico. O ectoplasma é composto por uma imagem de baixa qualidade. Uma ilustração de um texto sobre o tema Teleplasma. A sua emanação foi contida pela sobreposição de um pano de veludo preto, o qual ocultava o texto que a descrevia. A negra opacidade retira ao observador a possibilidade de aceder à chave que encripta a imagem. O holograma é uma placa, aparentemente ininteligível, que contém o registo da figura de interferência. Na Vitrine o holograma foi levantado a 4mm sobre a fotografia de Francisco Martins Sarmento, sobre o ectoplasma e sobre a planta do salão impressa. O contorno dos símbolos, assinalados na [Figura #1], foram iluminados. Assim as geometrias levitaram de forma constante e sem oscilações horizontais ou verticais.   


6. O Episcópio


O Episcópio é um antecedente do retroprojector de diapositivos, sendo que a sua diferença técnica reside na capacidade de projectar imagens opacas, ou seja, este incide a luz sobre o objecto que se quer projectar. Aquecendo em demasia poderá queimar o papel ou simplesmente alterar progressivamente a sua consistência material. O Episcópio foi encontrado no interior de um armário existente numa das salas da área reservada da Sociedade. Este aparelho de projecção integrou-se no pré-dispositivo de apresentação do Salão Nobre: constituído pelo ecrã de projecção, o palco, a mesa dos conferencistas e a plateia. De entre as intervenções no Salão Nobre, o Episcópio é a que melhor se dissimula na função do espaço. A imagem opaca iluminada remete para uma acção anterior. Um momento desfasado. Uma evocação do Conselho. A sensibilização fotográfica é a perpetuação do seu poder. 


Texto publicado na revista VOCA 02. Colectivo Embankment [Aida Castro, Jonathan Saldanha e Maria Mire], 2009